O Iluminismo

01/05/2014 16:02

 

 

                                                         
                                                Voltaire (1694-1778), símbolo do Iluminismo
 

    "Nossa divisa é: sem quartel aos supersticiosos, aos fanáticos, aos ignorantes, aos loucos, aos perversos e aos tiranos...será que nos chamamos de filósofos para nada?" - (Carta de Diderot a Voltaire, em 29 de setembro de 1762.)

 

A família iluminista

 

    Acreditavam-se todos eles pertencer a uma só família, cujos membros espalhavam-se por Edimburgo, Nápoles, Filadélfia, Berlim, Milão ou Königsberg e, é claro, Paris. Eram os philosophes iluministas, escritores e livres-pensantes que organizavam-se ao redor de alguns dos mestres-pensadores da época, tais como Adam Smith, David Hume, Edward Gibbon, Diderot, o barão d'Holbach, Helvetius, o excêntrico filósofo Emanuel Kant e, evidentemente, em torno do "mestre" Jean-Jacques Rousseau e do seu rival , o "rei" Voltaire. Consideravam seus mentores espirituais os grandes pensadores do século anterior, tais como René Descartes, Isaac Newton e John Locke. Como em qualquer família, ocorriam desavenças entre eles. mas qualquer insinuação de prisão ou censura que pairasse sobre um dos seus integrantes, era o sinal para que os demais se mobilizassem na defesa do perseguido. Tornou-se célebre a afirmação de Voltaire que disse a um contendor seu: "Senhor, sou contra tudo o que vossa senhoria disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dize-la".
 

A secularização da sociedade

 

    Empenhava-se, essa estranha família de escritores das mais diversas nacionalidades, na propagação de um vasta e ambicioso programa comum: a secularização total da sociedade! Secularismo, humanismo, cosmopolitismo e liberdade em todo os sentidos, eram as bandeiras deles. O direito à liberdade de palavra, de expressão, de imprensa, também se estendia para eles à liberdade de comércio, à liberdade do empreendimento econômico, fora das intromissões da censura da Igreja e do Estado absolutista-mercantilista. Livres enfim, para que cada um, de acordos com os talentos nascidos ou adquiridos, encontrasse o seu próprio caminho de realização. Desprovidos em sua maioria de cátedras acadêmicas, tendo o púlpito e os padres como inimigos, quais foram os instrumentos que aquela confraria de homens de letras se serviu para difundir seus ideais e princípios? Porque, de certa forma, os Iluministas tiveram que buscar e ao mesmo tempo formar o seu próprio público.

    

    Para chegar até ele, para atingir o novo público cultivado (tanto de gente da nobreza como das classes burguesas) que gradativamente estava se formando na sociedade européia do século XVIII, recorreram intensamente à publicação e difusão de livros. Quando, devido à censura ou a uma queima judicial, recorriam à impressões clandestinas (feitas na Holanda ), depois as introduziam por contrabando em qualquer canto da Europa. Revelaram-se verdadeiros mestres em escrever panfletos, publicações que fizeram largo uso devido ao lado prático que eles tinham como veículo instantâneo de difusão de idéias. Daí boa parte da literatura deles, fosse em verso ou em prosa, estar carregada pelo estilo polêmico e apaixonado.

 

A Enciclopédia

 

    O mais poderoso e duradouro de todos os instrumentos para a divulgação das Luzes - obra magna da propaganda iluminista - foi a edição da Enciclopédia, ou Dictionaire raisonné des sciences, des arts, et des métiers, dirigida por Jean Le Rond d'Alembert (entre 1751-54) e, em seguida, por Denis Diderot. Grandiosa publicação que se seguiu por vinte anos, até que, em 1772, o seu 17º volume encerrou a obra inteira. Fazendo com que, segundo Daniel Mornet, o século XVIII fosse "com toda a certeza....um século enciclopédico". Acertada sua impressão por meio de subscrições, a Enciclopédia ultrapassou largamente os seus 8.011 assinantes originais, virando leitura obrigatória entre os homens cultos do século. Foi uma obra consultada por uma quantidade inumerável de leitores por toda Europa e América incluída.

 

    Tratou-se de uma estupenda síntese do conhecimento científico, com grande ênfase nas artes mecânicas e na sabedoria prática das coisas da vida, servindo de modelo para todas as demais que a seguiram posteriormente. A predominância e gosto por temas seculares e o alto nível dos seus colaboradores - Diderot selecionou o supra sumo da elite intelectual (disse-lhes "É preciso examinar tudo, remexer tudo sem exceção e sem reserva") - fez da Enciclopédia o acontecimento editorial e intelectual do século. Entre os grandes nome arrebanhados por ele estavam Montesquieu (Leis), Lamarck (botânica), Helvetius (matemática), Rousseau (música), Buffon, Necker, Turgot, Mongez, além de artigos do barão d'Holbach, um ateu militante, e Voltaire(encarregado dos verbetes sobre Elegância, História, Espirito e Imaginação), num total de 139 colaboradores identificados. Talvez ela tivesse para o mundo burguês e industrial que então despontava, o mesmo significado que a Suma Teológica de São Tomás de Aquino teve para a Europa medieval.

 

A intensa correspondência

 

    O homem culto do século XVIII é acima de tudo um grande escritor de cartas. Havia uma verdadeira arte da epistolografia, atribuindo-se somente a Voltaire mais de 50 mil cartas! Como sabiam que mais tarde haveria interesse em publicá-las, cuidavam do estilo e da apresentação delas, como se fossem páginas ou capítulos de livros futuros.

    

    Por gostarem de trocar informações e colocar os outros integrantes da irmandade - la petit troupe - a par do que estavam fazendo ou pensando, elas, as cartas, converteram-se num veículo confiável, rápido, e, fundamentalmente, ao abrigo da censura. Tanto é que os americanos fizeram largo uso delas quando espalharam pelas Treze Colônias os Comitês de Correspondência, formados por ativistas da independência e simpatizantes da causa iluminista, entre eles, destacando-se acima de todos, Benjamim Franklin. Logo, pode-se afirmar que as cartas distribuídas pelos Comitês de Correspondência foram as sementes da Revolução Americana de 1776

 

    Aliás, foi por meio de uma das suas cartas, escrita a Hélvetius em 1763, que Voltaire canta a vitória do partido das luzes sobre os partidários da superstição e do obscurantismo. Dizia ela: "Essa razão que tanto perseguimos avança todos os dias [..] Os jovens se formam, e aqueles que são destinados aos lugares mais elevados desfazem-se dos infames preconceitos que aviltam uma nação. Sempre haverá um grande número de tolos, e uma boa multidão de patifes. Mas os pensadores, mesmo em número pequeno, serão respeitados [..] Esteja certo que tão logo as pessoas de bem se unam, nada mais poderá detê-las. É do interesse do rei, e do Estado, que os filósofos governem a sociedade... Chegou o tempo em que homens como você devem triunfar [...] Afinal, nosso partido já vence o deles em matéria de boa educação." - (Carta a Helvitus, em 15.9.1763)